Wednesday, June 29, 2011

Mas ele está alí, nervoso, porque escuta o que lhe dizem em meio a tamanho vozerio mental. A voz alheia soa mais alto e ele não consegue se deicidir se deve responder a quem está fora ou se persiste em escutar o que vai dentro.

Já não escuta mais nada. Passa um vagão, dois, três; quantas janelas em cada vagão, quantas arestas em cada janela? Quatro, oito, dezesseis, vinte e quatro, quarenta e oito. As portas têm janelas? Soma as janelas das portas? Parou. Dá pra ver até o final, contá-las, todas, até o último vagão? As pessoas estão descendo; uma, duas, três, quatro, seis, oito, dez, doze, quatorze pares de sapatos. Aquela está ansiosa, aquele traz uma filha; nenhuma aliança, muitas malas.

Que horas no relógio? Quantos minutos? Quantos minutos eu tenho? Quantas eram as janelas? Dobra-se o número porque elas se repetem do outro lado. Multiplica-se por quatro para ter o número das arestas. Multiplica por oito se levar em conta as arestas internas. Quantas rodas por vagão? Qual o meu vagão? Quanto tempo tenho? Dá pra contar os segundos de dois em dois? Se terminar em número ímpar dá azar.

- Você está bem, querido?

- Ãhn? Sim, estou. Pode me ajudar com as malas? Sabe quantos minutos eu tenho?

Checa o relógio no pulso, checa o relógio na estação. Mas porquê diabos (!) os segundos não passam de dois em dois? Está tudo bem. Basta. Basta contá-los de dois em dois nos minutos pares e reiniciá-los de dois em dois nos alternados (um, três, cinco, sete...) nos minutos ímpares. Não pense nas horas, não pense nas horas, não pense nas horas, não pense nos dias, não pense nos dias dentro do ano, não pense nos anos....

- Você tem alguns minutos ainda. Venha, eu te ajudo com as malas. Pense sobre o que conversamos; às vezes me sinto muito sozinha, como se você estivesse longe. Não quero alarmá-lo, vá tranquilo. Mas por favor, não me procure antes de encontrar algo para me dizer, sobre... você sabe, tudo o que andei sentindo.
Javier! Porque fica olhando para o final do trem? Seu vagão está ali na frente. Venha, venha querido, fique calmo.
Deveria v iajar de primeira classe se os trens o deixam tão nervoso. O preço sairia até menor do que os dois assentos de segunda que insiste em comprar.
Está bem, está bem. Não precisa me olhar desse jeito. Toma, aqui estão as suas malas. Pense sobre o que conversamos. Eu me preocupo com você, mas... Eu também existo, sabe?

- Desculpe, querida. Quais são os meus assentos?

- Está aqui, no bilhete: números noventa e um e noventa e dois, está vendo? Devia ter comido alguma coisa, está palido.
Desculpe, esqueça, está tudo bem, querido. Vá, coloque ali a sua bagagem. Vá, querido, adeus.

Esqueça noventa e um, noventa e dois. São dois assentos. Ninguém sentará ao seu lado. Primeira classe é mais silencioso mas têm os condutores que se revezam, naquele primeiro vagão, primeiro, primeiro, primeiro.

Senta, põe os protetores auriculares. Ajusta. Coloca a mochila no assento vazio. Quantos minutos? Quantos minutos? Quantos mi-nu-to-s?

O apito, finalmente o apito. Fecha essa maldita porta. Minhas malas, estão ali, consigo vê-las. Quantas horas? Tenho quatro horas e quarenta e três minutos. Posso olhar um pouco para fora, ver a paisagem. Um, dois, três, quatro, cinco, seis postes. Um, dô, trê, qua, cin, sê, sé, ô, nó, dé, onze fileiras de pinus. O que ela estava me dizendo? Porquê o silencio que tanto desejei me cai tão hostil? Deeeeeeesce e soooobe fio, poste, deeeesce e sooobe fio, poste, deeesce e soobe fio, poste, desce e sobe fio, poste, des e sob fio, post, dé e só, pó, dé e só, pó, dé e sópó... um, dois, três, quatro, cinco...

Ela estava tão linda na estação, enquanto me dizia aquelas coisas. Que coisas dizia? Porquê diabos não disse a ela o quanto a acho linda? Podia ter dito algo em vez de me preocupar com as malditas janelas. Quantas janelas nesse vagão? Duas, quatro, cinco de cada lado. Mais as portas, uma em cada extremidade, com duas bandas cada, cada banda com uma janela. Dez janelas mais quatro janelas de porta, vezes quatro arestas, vezes oito se quiser considerar as arestas externas....

Dominique!! Não a procurar antes de pensar...sobre o quê?! Míque, minha querida Míque.

Onde está a minha agenda? Quantos minutos da estação até o palácio de verão?

Onde estão os pais dessa menina? Porquê não a fazem sentar? Porquê sempre me olha quando passa correndo? Quantos minutos, quantos postes?

Dominique... Porquê não a convidei para vir comigo? Ela sabe que sempre compro dois assentos, mas porquê nunca a convido?

Não a procurá-la antes de pensar... sobre o quê?! Não procurá-la, não procurá-la...

Paisagem, paisage, paisa, olhos pesados, pais.... Há um rio, estreito. Estou em um bote inflável. Tenho oito horas para percorrer o percurso. Me sinto só. Sinto o impulso de me atirar do barco, me deixar na selva. Chegamos no fim do trajeto; há uma cascata altíssima. Cada pedra que piso me olha e então se move, voluntariamente, em direção ao despenhadeiro. Não há onde pisar. Pular, de tamanha altura, em direção à àgua, é atraente.

Dominique...

Qual estação é esta? Quantos minutos? Quantas horas? Pai, estamos chegando? Quanto falta? Mas quanto exatamente? Quantos minutos? Não sabe calcular? Como se faz pra saber?

Diminique!!! Não gosto do que faço... Tudo bem?!






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